Sou professor de Inglês, formado em Letras, e, em uma de minhas aulas remotas sobre pronomes pessoais (é sempre bom refrescar a memória e afastar de vez as dúvidas), no primeiro semestre de 2020, fui surpreendido por um aluno com a pergunta: “Professor, o que você acha do pronome neutro?”. Confesso que já havia ouvido falar sobre o assunto, porém superficialmente. Parei, pensei e respondi: “No momento não penso nada, vou ler, pesquisar sobre o tema, refletir e depois faço minhas considerações”. E foi o que fiz, como amante de línguas.
Antes de começar a desvelar o assunto, sem fazer esforço algum, lembrei-me da minha dissertação de mestrado, defendida em 2004. Na página 130, em “Considerações Finais”, escrevi: “... o olhar do outro não é neutro e vem carregado de ideologias que se traduzem frequentemente em preconceitos, classificações e atribuições de valor formuladas a partir de elementos prévios: dominado/dominador; branco/negro. Mas é justamente na tradução deste olhar que se codifica, decodifica e recodifica o mundo circundante.”
Sem pistas sólidas ainda, vi ali uma nova cartada do social, era a grande chance de ver, na prática, o que havia constatado anos atrás: a mobilidade das línguas. O panorama histórico, social, político e nacional modifica-se, e novas identidades se afirmam. O choque cultural forma uma Babel “moderna”. O “outro” dessa Babel quer se afirmar enquanto sujeito, busca sua identidade, luta veladamente, ou não, por seu espaço, por seu território. O choque entre as culturas, gerado em parte pelo forte desejo de autoidentificação como igual, semelhante, faz nascer as diferenças. Em se tratando então do assunto, percebemos que o grito que ecoa a respeito do pronome “neutro” não se curva, não se esconde perante o olhar de seu dominador: a língua culta, padrão.
Para responder à pergunta do aluno, tive como ponto de partida a análise linguística. Em português, a vogal temática, na maioria das vezes, não define o gênero. O gênero é definido pelo artigo que acompanha a palavra, como nos exemplos: “eletricista” (termina em “a” e não é feminino- “o eletricista”); “poeta” (termina em “a” e não é feminino- “o poeta”); “ação”, “conspiração”, “armação” e “nutrição” (todas as palavras que terminam em “ção” são femininas, embora terminem em “o”).
Também podemos mencionar grande parte dos adjetivos da língua portuguesa. Eles podem ser tanto masculinos quanto femininos, independentemente da letra final: “desagradável”, “feliz”, “triste”, “alerta”, “inteligente”, “emocionante”, “livre”, “doente”, “especial”, entre outros. Finalizar uma palavra com “e” não faz com que ela seja neutra: “semente” termina em “e” e é feminina (“a semente”); “padre” termina em “e” e é masculina (“o padre”).
Assim, em síntese, o gênero em português é determinado muito mais pelos artigos do que pelas vogais temáticas e, como se clamam por uma língua neutra, seria necessário criar um artigo neutro. Porém, linguisticamente falando, a língua portuguesa não aceita gênero neutro. Haveria a necessidade, portanto, de mudar um idioma inteiro para combater o "preconceito”? Embasado pela teoria, o que não quer dizer que ignoro a prática, a vivência e a mobilidade das línguas e da sociedade, não faz diferença mudar gêneros de palavras. Isso não torna o mundo mais acolhedor.
Por: Prof. Me. Carlos Alberto Gonçalves da Silva
Docente da Fatec Jales