As línguas, de um modo geral, têm uma capacidade fenomenal de se renovar e caminhar junto à sociedade, justamente porque uma língua é social... Ela se reveste de novos sentidos, “ressuscita” outros e desloca muitos outros também. Como isso acontece? Seria algo preestabelecido nas gramáticas, modismos ou necessidade social? Seria essa língua viva, inerente ao ser humano que reflete/revela suas ideologias? Bem, é preciso entendermos um pouco mais!
A língua tem um pouco de vestimenta: ela é flexível, versátil e figurativa também. Não é raro ouvirmos e depararmos com palavras e expressões que foram tão usadas em determinadas épocas e que hoje nem são (re)conhecidas; carecemo-nos até de dicionários que ao consultarmos, testificamos que muitas são sinônimos de usos corriqueiros em pleno século XXI. Sobre isso, Fernando Sabino, brinca em um dos seus textos que “as palavras envelhecem e caem como folhas secas”!
Sim, é bem isso mesmo... O português do Brasil, nesses tempos de pandemia, tem nos dado uma aula e tanto! Na verdade, nada de gramática, mas de língua em uso, em novo uso, ao que chamamos de deslocamento.
Sabemos que há palavras que costumam circular em determinadas esferas da sociedade: na educação, no direito, na engenharia, na medicina... Ouvimos, nos últimos dias, um conjunto de palavras que, ou eram apenas usadas estritamente em contextos específicos ou que eram apenas estudadas para se referir a algum acontecimento remoto: pandemia, quarentena, isolamento social.
Dessas, vamos nos deter nas palavras quarentena e isolamento social – termos, até então, da esfera médica, ganham uma (re)significação popular. Quarentena, de acordo com o dicionário Aurélio, refere-se ao período de quarenta dias como também de reclusão de pessoas ou animais, saudáveis num determinado local, por um determinado período; isolamento social, também da área médica, traduz o afastamento de pessoas do convívio social, mas por motivos emocionais. Pois bem, a língua, diante do enfrentamento da Covid- 19, tornou tão “íntimos” os dois termos a nós, brasileiros, que eles passaram a fazer parte, com grande interação, em nossas casas.
Entraram, desse modo, em quarentena, as sacolinhas do mercado, os sapatos, as maquiagens, os carros, as bicicletas, as bolas de futebol, a molecada... mas por bem mais de quarenta dias (pois é, nem sempre as palavras são que o aparentam ser); entramos em isolamento social, mas sem que as nossas emoções necessitassem e, com ele, tudo o que colocamos também em quarentena (às vezes, olhando no espelho: nossa, sou eu?) É, a língua!
Significados novos? Nem tanto, mas trazidos à tona para milhões de brasileiros, numa situação bem adversa e tampouco de alegria, mas evidenciando que a língua é viva, vive a seu tempo e para seu tempo; que nós, seres humanos, transformamos, ressignificamos e, se necessário, inventamos porque precisamos sobreviver a tudo isso: a língua não é “imexível” (parafraseando Antônio Rogério Magri (1990), ex-ministro da Previdência), ela é junto e misturado, ela é o povo que a inventa e se (re) inventa com ela e por vezes, a coloca em quarentena de anos ou até mesmo em isolamento social!
Prof. Me. Alessandra Manoel Porto – Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.
Docente da Faculdade de Tecnologia Prof. José Camargo – FATEC de Jales – Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.